Especialistas alertam sobre os problemas causados pela automedicação
Com ou sem supervisão médica, muitos brasileiros estão fazendo o uso do Ozempic, medicação para tratamento de diabetes tipo 2, com uma outra finalidade: a perda de peso. Circulam nas redes sociais relatos de pessoas dando dicas sobre o produto, sem qualquer orientação de profissionais da saúde – o que traz diversos riscos, segundo médicos. Não há medicamentos milagrosos, destacam os especialistas, e qualquer tratamento contra obesidade e sobrepeso deve estar associado à adoção de hábitos saudáveis.
A medicação injetável tem alto custo – com preço a partir de R$ 800, uma caixa – e também tem atraído famosos, como a apresentadora Jojo Todynho, que utiliza o produto para perder peso e publicou um vídeo contando sobre sua experiência. Muitos médicos costumam prescrever a medicação de forma off label, ou seja, quando se indica ao paciente que use a droga por outro motivo que não a sua finalidade principal.
Ozempic emagrece?
Tecnicamente, o Ozempic não provoca o emagrecimento. A medicação tem como princípio ativo a semaglutida, substância análoga ao hormônio GLP-1, que o intestino produz quando a pessoa ingere alimentos. Assim, o medicamento estimula o organismo a produzir hormônios digestivos antecipadamente, evitando que o nível de glicose se eleve.
Essa substância também controla o apetite, regulando o nível de saciedade no cérebro humano. O que acontece é que, com a aplicação da droga, a pessoa sente menos fome e acaba ingerindo menos alimentos, consequentemente.
É o que explica Fernando Gerchman, diretor do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). De acordo com ele, contudo, o emagrecimento não acontece magicamente com o uso da medicação, como tem sido disseminado.
Muitas pessoas chamam o Ozempic de “caneta emagrecedora”, equivocadamente. Para quem usa a droga com esse objetivo, o médico ressalta: “Os pacientes devem associar o uso da medicação a uma mudança no estilo de vida, praticando atividade física e incorporando uma dieta equilibrada. Esse suporte nutricional vai contribuir para não haver aumento da flacidez na pele, inclusive”.
No caso de pessoas com obesidade, que provoca milhares de mortes no Brasil anualmente, o endocrinologista afirma que, em primeiro lugar, é necessário fazer uma avaliação ampla de saúde, para identificar o que levou a esse problema e verificar as complicações de saúde causadas. Assim, a pessoa será encaminhada para um tratamento específico, podendo ou não fazer uso de medicamentos à base de semaglutida, conforme suas necessidades.
A Novo Nordisk, fabricante do Ozempic, informou ao Estadão que “não reconhece alterações na pele como uma preocupação de segurança ou um efeito colateral resultante do uso de semaglutida injetável, com posologia semanal, para o tratamento do diabetes tipo 2”. A empresa afirma que fatores como idade, genética, níveis de estrogênio e porcentagem de perda de peso podem contribuir para rugas e flacidez da pele.
A companhia recomenda “sempre consultar um médico antes de iniciar tratamento de semaglutida injetável para diabetes tipo 2, e as decisões de tratamento devem ser feitas com base no julgamento clínico do profissional de saúde e com base em uma avaliação dos benefícios versus riscos da terapia no paciente”.
No início de março, a farmacêutica já havia divulgado uma carta à imprensa destacando que “a companhia não endossa ou apoia a promoção de informações de caráter off label, ou seja, em desacordo com a bula de seus produtos”.
Segundo Fernando Gerchman, o grande risco é a pessoa se automedicar, sem orientação de profissionais e a realização de exames antes do início do tratamento. “Sabemos que até 2,4 mg a semaglutida oferece segurança e não tem riscos cardiovasculares, embora a medicação esteja associada a alguns efeitos colaterais, como náusea, refluxo, vômito, constipação e a possibilidade de causar pedra na vesícula. Mas a substância foi aprovada nesta dose, somente”, diz o endocrinologista.
O Ozempic tem algumas contra indicações: não deve, por exemplo, ser adotado para tratamento da diabetes tipo 1. Antes de utilizá-lo, também é preciso verificar se a pessoa é alérgica à semaglutida ou a outras substâncias que o remédio contém.
‘Ozempic face’
Uma das consequências apontadas por quem usa o medicamento ficou conhecida nas redes sociais como ‘Ozempic face’. Trata-se de perda excessiva de massa magra na face, que contribui para dar um aspecto de envelhecimento.
A pele do rosto, assim como a do corpo, fica mais fina e flácida, processo que ocorre quando há uma perda de peso acelerada. No TikTok, já foram publicados milhões de vídeos com a hashtag #ozempicface, mostrando o efeito
Segundo a médica dermatologista Juliana Catucci Boza, a causa não é a medicação em si. “O processo de envelhecimento é multifatorial e ocorre com o decorrer dos anos, com diversos fatores interferindo. Mas um emagrecimento gradual terá impacto menor na perda de gordura na face”, afirma a doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Dermatologia (Secção RS).
Todo emagrecimento é acompanhado de perda do tecido gorduroso subcutâneo. No rosto, há compartimentos de gordura que dão sustentação à face, assim como no restante do corpo. A diminuição dessas reservas deixa a pele “caída” e mais flácida. Ao perder gordura, o organismo direciona nutrientes para onde são mais necessários, isto é, os órgãos vitais.
Falta de estoque
O Ozempic vem sendo utilizado com tanta frequência para emagrecimento que pacientes diabéticos estão tendo dificuldade para encontrar o produto nas farmácias. É o caso de uma estudante de Psicologia de 23 anos, que prefere não divulgar o nome. Ela utiliza o medicamento desde 2020 para tratamento da diabetes tipo 2. A moradora da capital paulista está desde a semana passada sem aplicar a medicação porque acabaram todas as caixas que tinha em casa.
Em fevereiro, o fabricante informou que o reabastecimento de distribuidores, atacadistas e farmácias no país deve ser normalizado durante o segundo trimestre deste ano, com o aumento da capacidade de produção anual da empresa.
“Vou avaliar com a minha endocrinologista se preciso continuar usando o Ozempic, porque está em falta, não tem pra comprar agora em lugar nenhum. Mesmo solicitando no site das farmácias antecipadamente, eles acabam cancelando, porque não chegou o produto. Eu tinha pra usar até a semana passada. Pra essa semana não tenho mais”, afirma a universitária.
Ela trata questões metabólicas desde os 6 anos de idade, tem hipotireoidismo e em 2019 recebeu o diagnóstico de diabetes. Desde 2020, o Ozempic tem ajudado no tratamento, para manter os índices de glicemia e de hemoglobina controlados.
No entanto, a estudante costuma ter alguns efeitos colaterais, como náuseas, dor no estômago e constipação. Por isso, ela se preocupa com o uso indiscriminado da droga. “Acho arriscado sem supervisão. O médico precisa orientar sobre como aplicar e os cuidados necessários”, afirma.
Mesmo assim, muitos profissionais da saúde têm indicado o medicamento para os pacientes e não orientam corretamente sobre o uso do produto. Foi o que aconteceu com Michelle, farmacêutica de 26 anos que prefere não divulgar o sobrenome. Com o sobrepeso afetando seu bem-estar e, afirma, sem tempo para fazer exercícios com a frequência que gostaria, ela passou por um nutrólogo, que chegou a receitar o Ozempic, mas não deu outras opções e não explicou direito como funcionava o remédio.
Em janeiro, ela começou a se consultar com outra nutróloga, que solicitou exames prévios, indicou o Ozempic, forneceu todas as orientações sobre o uso do produto e está acompanhando o tratamento de perto. Desde então, Michelle diz ter observado resultados.
“O Ozempic não faz milagre sozinho. Ele diminui o apetite, mas você precisa adotar hábitos saudáveis, fazer exercícios e ter uma dieta equilibrada. Não tem como perder 10 quilos em um mês, como muita gente pensa que acontece”, afirma.
Fonte: Muita Informação
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