Estudo inédito revela impacto das apostas online na saúde pública e aponta necessidade urgente de regulação e campanhas educativas
O vício em apostas ganhou destaque entre especialistas e autoridades após a divulgação de um levantamento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), nesta segunda-feira (7), que revela que 10,9 milhões de brasileiros fazem uso considerado de risco de jogos de apostas. A pesquisa, conduzida no âmbito do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), foi realizada a pedido do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJ-SP) e expõe a crescente vulnerabilidade da população, especialmente dos adolescentes.
Pela primeira vez, o estudo incluiu dados específicos sobre o comportamento dos brasileiros frente aos jogos de azar, com destaque para as apostas esportivas online, conhecidas como “bets”. A amostra contou com 16 mil pessoas com 14 anos ou mais, entre adolescentes (14 a 17 anos) e adultos (18 anos ou mais), analisadas a partir da escala Problem Gambling Severity Index (PGSI), reconhecida internacionalmente para avaliação de transtornos relacionados ao jogo.
Apostas online lideram entre práticas mais arriscadas
As apostas digitais, apesar de recentes, já ocupam a segunda posição entre as modalidades preferidas pelos brasileiros, perdendo apenas para as loterias tradicionais e superando o histórico jogo do bicho. Ao todo, 9,3 milhões de pessoas utilizam essas plataformas online no país.
O dado mais preocupante, no entanto, é que 66,8% dos jogadores de bets demonstram comportamento de risco ou problemático, segundo a PGSI. A taxa é consideravelmente menor entre apostadores de outras modalidades, que apresentam 26,8% de incidência de risco. O perfil do apostador digital está frequentemente associado a impulsividade, fácil acesso à tecnologia, recompensas imediatas e ausência de limites claros de controle, o que contribui para o desenvolvimento rápido de comportamentos compulsivos.
Mais de 1,4 milhão de brasileiros sofrem prejuízos por apostas
Do total de pessoas que apostam de maneira arriscada, 1,4 milhão já apresenta transtornos diretamente relacionados aos jogos, com perdas financeiras, problemas sociais e impacto na saúde mental. Entre os indicadores utilizados na pesquisa, foram analisados comportamentos como apostar mais do que poderia perder, recorrer a novas apostas para tentar recuperar perdas, e comprometer o orçamento familiar com o jogo.
O psiquiatra Ronaldo Laranjeira, professor titular da Unifesp e diretor da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad), alerta que os dados revelam a rápida expansão das apostas no país e a falta de políticas públicas eficazes de enfrentamento ao problema. Segundo ele, a popularização das plataformas online tem tornado o vício em jogos um problema de saúde pública.
Adolescentes são grupo mais vulnerável ao vício em apostas
A pesquisa também aponta um dado alarmante: 10,5% dos adolescentes entre 14 e 17 anos afirmaram ter jogado no último ano. Destes, 55,2% estão classificados na zona de risco. Para especialistas, a facilidade de acesso às apostas online, aliada à forte presença de publicidade em eventos esportivos, tem exposto os jovens a práticas perigosas antes mesmo da maioridade.
O psiquiatra Gustavo Estanislau, membro do Instituto Ame Sua Mente, explica que, do ponto de vista neurobiológico, adolescentes ainda não têm plenamente desenvolvida a capacidade de controle inibitório, o que os torna mais propensos a tomar decisões impulsivas e a se engajar em comportamentos de risco, como o jogo excessivo.
“Do ponto de vista neurobiológico, adolescentes têm um controle inibitório menor, uma capacidade de controlar os impulsos menor. E, por outro lado, uma ativação maior das emoções”, disse o psiquiatra.
Pesquisadores defendem restrições e mudança no setor
Diante do cenário apresentado, os especialistas da Unifesp sugerem uma série de ações para conter os impactos negativos das apostas na sociedade. Entre as principais recomendações estão:
- Restrições à publicidade de casas de apostas, especialmente durante eventos esportivos e em horários com grande audiência infantil;
- Revisão do discurso de “jogo responsável”, considerado ineficaz pelos cientistas, por normalizar comportamentos de risco e minimizar os perigos reais do vício;
- Campanhas educativas voltadas ao público jovem e às famílias, com foco na prevenção e identificação precoce de comportamentos problemáticos;
- Regulamentação mais rígida das plataformas de apostas, com mecanismos de controle de acesso, limites de tempo e valor investido, além de transparência sobre riscos associados.
Autoridades da saúde e da educação também têm se manifestado pela urgência de restringir o patrocínio de casas de apostas em clubes e eventos esportivos, já que a associação direta entre apostas e futebol aumenta a atratividade para jovens e naturaliza o jogo como uma prática cotidiana.
Fonte: Muita Informação
Leave feedback about this